CRIAÇÃO

2 Junho 2025

Toques

Toques

Olha! Um feto de asas abertas com vários metros
Lembram continuamente em São Miguel o que é a natureza selvagem
Caules com rebentos fazem corajosamente pontaria para as nuvens
não se preocupam com o futuro como as pessoas

Este padrão de feto combina mesmo contigo
a renda verde das folhas treme na face como recortes de papel de Kurpie
a fita de tule na anca mima-me quando penso nisso
ademais cheira a especiarias exóticas
canela e sândalo que à noitinha
retiro dos teus pés

Tradução para português Teresa Fernandes Swiatkiewicz

2 Junho 2025

Ilha do Corvo

Ilha do Corvo

Aqui o vento flui para os braços dos moinhos de vento

à noite sobe pela serra do Caldeirão

perturba sonhos

arrefece e regressa às falésias

para perturbar a paz de duas lagoas

 

Não é fácil despertar os moradores da povoação

apenas se espera o regresso da primavera

os cães ladram afincadamente

arremedando os aguaceiros de fevereiro

 

Os rebocos das casas lambidos pelo bolor enegrecem

o grotesco dança no labirinto de ruas cinzentas

mas aqui o heroísmo foi sempre valorizado —na luta

subjugaram-se piratas com pedras e mocas

 

Na época das chuvas de inverno nova pescaria

o mesmo vento que os pássaros arremedam

o marulho das ondas está na dor das mãos nas unhas partidas

e nos nós das redes de pesca

 

São quem mais sabe sobre o Atlântico

acreditam inabaláveis que Nossa Senhora dos Milagres

nunca fecha os olhos

vigia e salva

 

Ilha do Corvo

ilha de corvos

ama e estima gente dura

nem todos estão prontos para ela

 

Tradução para português Teresa Fernandes Swiatkieicz

 

 

2 Junho 2025

Perspetiva

Perspetiva

De verde se vestiram nove seres independentes

nove ilhas entre elas o Atlântico emaranhadas em ondas

de lendas e desejos

de uma vida melhor na América

 

Em vales de vulcões extintos aninharam-se lagoas

aldeias sem cores, casas ligadas por uma parede em comum

com o outro lado a dar para uma rua estreita

os jovens porém não querem respirar o ar em comum

 

Trepam os braços do polvo — as lombas

casas coladas umas às outras como irmãs siamesas

aquecem as costas no inverno

Todos sabem uns dos outros — quem luta contra o quê

quem comprou algo mais caro

e quem não tem nada

 

Desta montanha rapidamente se desce para o quotidiano

depois como num reality show é preciso trepar

sempre a subir ser aplaudido pelo destino e dormir bem

 

A palavra Açores significa açor

uma ave de rapina aninhada no meio do Atlântico…

Observam sem cessar

 

Entre os terraços dos prados

as riscas cinzentas

da insegurança de um coelho

 

Tradução para português  Teresa Fernandes Swiatkiewicz

 

18 Maio 2025

Aula de geografia

Nas casas onde morei não havia escadas

aqui passo muito tempo nelas

Ponte mágica pan-atlântica

precisamente o sexto degrau algures a meio

entre Słupsk e as Américas

 

Além da porta estende-se a imensidão

de falésia em falésia do nascer ao pôr do sol

blue water

em nada me limita

sinto porém já há tempo a claustrofobia da ilha

 

A cada dia o oceano tem outra tonalidade

qual ser humano que todos os dias muda de humor

acontece (às vezes) com boa visibilidade

a ilha de Santa Maria emergir na linha do horizonte

 

Bebo chá verde num prado açoriano no jardim

— a melhor aula de geografia da minha vida

 

Do livro As Sete lombas e os quatro cantos do mundo (ciclo açoriano) 

tradução portuguesa Teresa Fernandes Swiatkiewicz

17 Maio 2019

Portuguese mulheres*

Portuguese mulheres* soak up
the sun in Algarve cafes

while in Warsaw’s Łazienki Park the old grey
feeds the pigeons calm and gently

for this morning avian ritual
she has run half a marathon
she doesn’t have fits of anger any more
she doesn’t nurture scars

with each passing year more strongly
down to earth
the smile that kisses butterflies
should be on the calendar –
not forced – more beautiful with every line
she knows it’s hardest to forgive

Translation Graham Crawford
Anturaż, FONT 2019

*in Portugese – women

13 Maio 2019

Não foste prevista…

Não foste prevista…
conheci-te hoje com os meus próprios olhos
atravessei ficheiros fotos e-mails
vagueei pelos juncos de mensagens —
olhei-te nas retinas como a um peixe nas guelras
e pensei: saudável
lábios róseos como ovas numa caverna
prometeram muito —
o corpo em equilíbrio com o intelecto
antigamente no mercado veneziano
os pais punham as suas filhas à venda
um comércio… em nome da sua felicidade
agora elas próprias se vendem com vontade nos leilões —
bastam alguns cliques e engenho no photoshop
conheci-te hoje com os meus próprios olhos
atravessei as veredas
(de vontades e venerações)
os cheiros que eu quis sentir
vasculhar na tua pele e no teu pulso
afastando a penugem do vestido
para acariciar a polpa
extrair caroços na ternura
tocar a semente na promessa
conheci-te hoje com os meus próprios olhos
havia um v a z i o
aridez numa casca
como ficheiros de palavras sob cuidados maternais
de uma cibermistificação

Traduzido por Gabriel Borowski
Anturaż FONT 2019

13 Maio 2019

Encantações do oceano

Encantações do oceano
e vou
acariciá-la
adorá-la e respeitá-la
lírica e não liricamente
ela é a única
emergida da onda dos sonhos em Tavira
trazida pelo oceano
uma concha sonora
não Afrodite
o meu amor não cibernético


Traduzido por Gabriel Borowski
Anturaż FONT 2019

13 Maio 2019

Seguimos numa onda escura e fresca

Seguimos numa onda escura e fresca
mas estamos ainda no porto
ninguém quer ser um peixe morto
lançado à areia pelo oceano
os olhos como feridas abertas —
doem quando vemos demais
Deus deve atenuar o medo
que incomoda como um espinho
e a pequena marca na pele lateja como um óvulo —
nas farmácias não há remédio para a incerteza
o que quer que pensemos não chega
para podermos falar dos génios
debruçados sobre o frágil humano
a corrosão vem a todos
quando o solo ondeia e não dá suporte
e os pés ficam muito tempo na água


Traduzido por Gabriel Borowski

13 Maio 2019

Num cartaz eleitoral

Num cartaz eleitoral
a conversa vazia desfaz-se como uma bolha de sabão
oxalá se encha de palavras-limalhas
um miolo colorido da Fábrica dos Sonhos
acaba o intervalo para a penitência
e a espera pelos dias mais fáceis
oxalá as palavras não ressoem surdas
a saudade força o verso a não se calar
porque uma palavra boa antes de dormir seduz
como uma almofada de pelúcia
às pessoas dos cartazes
de tanto sorrirem
caem bochechas pálpebras lábios


Traduzido por Gabriel Borowski
Anturaż FONT 2019

13 Maio 2019

E se…

E se… a lua fosse do tamanho
de um píxel
teria o porte de um homem insensato
(uma gota de sangue no seu corpo)
flutuaria de pernas para o ar como o vulto de Neil Armstrong
e o luar dourado
aquecer-me-ia
como se estivesses comigo fisicamente
crer na miragem? as iguanas estão perto
com óculos ou sem eles
estás a sentir? — é um rosário
de Fátima um aroma de sândalo
que envolverá de noite
não apenas os nossos dedos


Traduzido por Gabriel Borowski

13 Maio 2019

Nas falésias

Nas falésias do Algarve respiramos — fundo

a violência do vento são asas

e os sonhos já não são mais uma onda

deixo-me levar pelo oceano e por ti

sem mapa sem bússola nem consenso nem boia

 

já não contamos as lanternas no céu —

mesmo para as gaivotas perdidas a noite não é estranha

navegamos com o triunfo de uma vela cheia

empurrados para dentro da neblina da manhã

 

por trás das rochas do pensamento há remoinhos

dióxido de carbono em demasia —

os ambientalistas vão capturar-nos (sem piedade)

por causa deste fogo que arde como incêndio

imoderado nos nossos corações

 

Traduzido por Gabriel Borowski

Anturaż , FONT 2019