Toques
Toques
Olha! Um feto de asas abertas com vários metros
Lembram continuamente em São Miguel o que é a natureza selvagem
Caules com rebentos fazem corajosamente pontaria para as nuvens
não se preocupam com o futuro como as pessoas
Este padrão de feto combina mesmo contigo
a renda verde das folhas treme na face como recortes de papel de Kurpie
a fita de tule na anca mima-me quando penso nisso
ademais cheira a especiarias exóticas
canela e sândalo que à noitinha
retiro dos teus pés
Tradução para português Teresa Fernandes Swiatkiewicz
Ilha do Corvo
Ilha do Corvo
Aqui o vento flui para os braços dos moinhos de vento
à noite sobe pela serra do Caldeirão
perturba sonhos
arrefece e regressa às falésias
para perturbar a paz de duas lagoas
Não é fácil despertar os moradores da povoação
apenas se espera o regresso da primavera
os cães ladram afincadamente
arremedando os aguaceiros de fevereiro
Os rebocos das casas lambidos pelo bolor enegrecem
o grotesco dança no labirinto de ruas cinzentas
mas aqui o heroísmo foi sempre valorizado —na luta
subjugaram-se piratas com pedras e mocas
Na época das chuvas de inverno nova pescaria
o mesmo vento que os pássaros arremedam
o marulho das ondas está na dor das mãos nas unhas partidas
e nos nós das redes de pesca
São quem mais sabe sobre o Atlântico
acreditam inabaláveis que Nossa Senhora dos Milagres
nunca fecha os olhos
vigia e salva
Ilha do Corvo
ilha de corvos
ama e estima gente dura
nem todos estão prontos para ela
Tradução para português Teresa Fernandes Swiatkieicz
Perspetiva
Perspetiva
De verde se vestiram nove seres independentes
nove ilhas entre elas o Atlântico emaranhadas em ondas
de lendas e desejos
de uma vida melhor na América
Em vales de vulcões extintos aninharam-se lagoas
aldeias sem cores, casas ligadas por uma parede em comum
com o outro lado a dar para uma rua estreita
os jovens porém não querem respirar o ar em comum
Trepam os braços do polvo — as lombas
casas coladas umas às outras como irmãs siamesas
aquecem as costas no inverno
Todos sabem uns dos outros — quem luta contra o quê
quem comprou algo mais caro
e quem não tem nada
Desta montanha rapidamente se desce para o quotidiano
depois como num reality show é preciso trepar
sempre a subir ser aplaudido pelo destino e dormir bem
A palavra Açores significa açor
uma ave de rapina aninhada no meio do Atlântico…
Observam sem cessar
Entre os terraços dos prados
as riscas cinzentas
da insegurança de um coelho
Tradução para português Teresa Fernandes Swiatkiewicz
Aula de geografia
Nas casas onde morei não havia escadas
aqui passo muito tempo nelas
Ponte mágica pan-atlântica
precisamente o sexto degrau algures a meio
entre Słupsk e as Américas
Além da porta estende-se a imensidão
de falésia em falésia do nascer ao pôr do sol
blue water
em nada me limita
sinto porém já há tempo a claustrofobia da ilha
A cada dia o oceano tem outra tonalidade
qual ser humano que todos os dias muda de humor
acontece (às vezes) com boa visibilidade
a ilha de Santa Maria emergir na linha do horizonte
Bebo chá verde num prado açoriano no jardim
— a melhor aula de geografia da minha vida
Do livro As Sete lombas e os quatro cantos do mundo (ciclo açoriano)
tradução portuguesa Teresa Fernandes Swiatkiewicz
Portuguese mulheres*
Portuguese mulheres* soak up
the sun in Algarve cafes
while in Warsaw’s Łazienki Park the old grey
feeds the pigeons calm and gently
for this morning avian ritual
she has run half a marathon
she doesn’t have fits of anger any more
she doesn’t nurture scars
with each passing year more strongly
down to earth
the smile that kisses butterflies
should be on the calendar –
not forced – more beautiful with every line
she knows it’s hardest to forgive
Translation Graham Crawford
Anturaż, FONT 2019
*in Portugese – women
Não foste prevista…
Não foste prevista…
conheci-te hoje com os meus próprios olhos
atravessei ficheiros fotos e-mails
vagueei pelos juncos de mensagens —
olhei-te nas retinas como a um peixe nas guelras
e pensei: saudável
lábios róseos como ovas numa caverna
prometeram muito —
o corpo em equilíbrio com o intelecto
antigamente no mercado veneziano
os pais punham as suas filhas à venda
um comércio… em nome da sua felicidade
agora elas próprias se vendem com vontade nos leilões —
bastam alguns cliques e engenho no photoshop
conheci-te hoje com os meus próprios olhos
atravessei as veredas
(de vontades e venerações)
os cheiros que eu quis sentir
vasculhar na tua pele e no teu pulso
afastando a penugem do vestido
para acariciar a polpa
extrair caroços na ternura
tocar a semente na promessa
conheci-te hoje com os meus próprios olhos
havia um v a z i o
aridez numa casca
como ficheiros de palavras sob cuidados maternais
de uma cibermistificação
Traduzido por Gabriel Borowski
Anturaż FONT 2019
Encantações do oceano
Encantações do oceano
e vou
acariciá-la
adorá-la e respeitá-la
lírica e não liricamente
ela é a única
emergida da onda dos sonhos em Tavira
trazida pelo oceano
uma concha sonora
não Afrodite
o meu amor não cibernético
Traduzido por Gabriel Borowski
Anturaż FONT 2019
Seguimos numa onda escura e fresca
Seguimos numa onda escura e fresca
mas estamos ainda no porto
ninguém quer ser um peixe morto
lançado à areia pelo oceano
os olhos como feridas abertas —
doem quando vemos demais
Deus deve atenuar o medo
que incomoda como um espinho
e a pequena marca na pele lateja como um óvulo —
nas farmácias não há remédio para a incerteza
o que quer que pensemos não chega
para podermos falar dos génios
debruçados sobre o frágil humano
a corrosão vem a todos
quando o solo ondeia e não dá suporte
e os pés ficam muito tempo na água
Traduzido por Gabriel Borowski
Num cartaz eleitoral
Num cartaz eleitoral
a conversa vazia desfaz-se como uma bolha de sabão
oxalá se encha de palavras-limalhas
um miolo colorido da Fábrica dos Sonhos
acaba o intervalo para a penitência
e a espera pelos dias mais fáceis
oxalá as palavras não ressoem surdas
a saudade força o verso a não se calar
porque uma palavra boa antes de dormir seduz
como uma almofada de pelúcia
às pessoas dos cartazes
de tanto sorrirem
caem bochechas pálpebras lábios
Traduzido por Gabriel Borowski
Anturaż FONT 2019
E se…
E se… a lua fosse do tamanho
de um píxel
teria o porte de um homem insensato
(uma gota de sangue no seu corpo)
flutuaria de pernas para o ar como o vulto de Neil Armstrong
e o luar dourado
aquecer-me-ia
como se estivesses comigo fisicamente
crer na miragem? as iguanas estão perto
com óculos ou sem eles
estás a sentir? — é um rosário
de Fátima um aroma de sândalo
que envolverá de noite
não apenas os nossos dedos
Traduzido por Gabriel Borowski
Nas falésias
Nas falésias do Algarve respiramos — fundo
a violência do vento são asas
e os sonhos já não são mais uma onda
deixo-me levar pelo oceano e por ti
sem mapa sem bússola nem consenso nem boia
já não contamos as lanternas no céu —
mesmo para as gaivotas perdidas a noite não é estranha
navegamos com o triunfo de uma vela cheia
empurrados para dentro da neblina da manhã
por trás das rochas do pensamento há remoinhos
dióxido de carbono em demasia —
os ambientalistas vão capturar-nos (sem piedade)
por causa deste fogo que arde como incêndio
imoderado nos nossos corações
Traduzido por Gabriel Borowski
Anturaż , FONT 2019